O Fundo de Drogas Oncológicas do NICE – uma abordagem diferente na incorporação de tecnologias

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A Inglaterra é um dos países mais desenvolvidos na utilização de análises econômicas em saúde no processo de decisão sobre incorporação de novas tecnologias, através da atuação do seu National Institute for Health and Care Excellence (NICE). A despeito disto (ou talvez justamente por isto), os critérios e métodos usados pelo NICE já foram bastante criticados. A oncologia, que tem apelo e impacto social bastante forte, sempre foi uma área onde as críticas eram comuns. Por outro lado, o grande volume de pacientes com câncer e o alto custo de muitas das novas medicações realmente levam à necessidade da utilização de análises econômicas de forma mais rigorosa.

Porém, desde 2011, o NICE tem inovado no acesso a tecnologias oncológicas, através do seu Fundo para Drogas Oncológicas (NICE Cancer Drugs Fund). Remodelado em 2016, ele foi foco de algumas sessões no último Congresso Europeu da ISPOR, em Viena. A essência do funcionamento é de colocar em financiamento temporário drogas que (1) parecem promissoras em termos de efetividade, (2) já possuem estudos que comprovem sua segurança, (3) ainda tenham um razoável grau de incerteza sobre alguns aspectos clínicos e (4) de acordo com o preço pretendido pelo fabricante, possuem o potencial de serem custo-efetivas (vide figura mais abaixo). No remodelamento do fundo, todas as novas drogas oncológicas que não são julgadas como indicadas para incorporação imediata no Sistema de Saúde Inglês (NHS) podem entrar no Cancer Drugs Fund, onde o principal propósito é a coleta de informações clínicas adicionais para que seja feita futura reavaliação, para decisão final acerca de incorporação ou negativa de entrada no NHS. Esta, inclusive, é mais uma das modificações no remodelamento do Fundo: agora, há critérios mais claros não apenas de entrada mas também de saída de financiamento de uma droga pelo Fundo.

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A previsão máxima de tempo no Fundo é de 2 anos, mas com intuito de que a permanência seja menor.  Fundamental, no entanto, é que o tempo dado realmente seja o necessário para que as informações clínicas adicionais sejam coletadas, para redução de incertezas, e que se possa então tomar a decisão com o melhor embasamento possível. Em termos de dados coletados, os mesmos podem incluir variáveis não contempladas até o momento nos estudos já prontos, ou podem ter uma conotação de observar o funcionamento da droga em um ambiente mais de mundo real – a cada vez mais requisita “Real World Evidence” (abordada anteriormente em nosso blog). E, em termos de delineamentos, além de registros (que são justamente um dos desenhos empregados na coleta de mundo real), também é possível que novos dados advenham de ensaios clínicos, especialmente quando estes estejam em andamento no momento do pedido para a entrada da droga no Fundo. Ao final do período planejado para a coleta de dados, a droga deveria sofrer nova avaliação, para que então se tenha uma decisão definitiva.

Entre as principais vantagens do Fundo está o acesso mais precoce de pacientes a drogas com potencial de importante benefício clínico. Nos últimos 5 anos, 95 mil pacientes receberam alguma medicação (como bevacizumab, abiraterona e bendamustine) através do Fundo. Entre as potenciais desvantagens, está justamente a questão de que o benefício seja potencial – se dados adicionais estão sendo coletados, significa que não se tem uma certeza tão grande sobre os benefícios, e que eventualmente o Fundo pode estar empregando o dinheiro do NHS de forma inútil, em uma terapia ineficaz. Outra discussão importante que tem surgido entre o NHS e as indústrias farmacêuticas é a questão de precificação: eventualmente, a indústria pode concordar com um valor mais baixo enquanto ainda há uma incerteza maior sobre a droga – mas, caso ela se prove extremamente efetiva, o preço pode ser revisto (pensando na ótica de value based pricing)? Certamente, um assunto ainda em debate.  

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