Limiares de Custo-Efetividade: Métodos para a Definição e Casos ao Redor do Mundo

Este texto é de autoria de dois pesquisadores da UFMG, escrito a convite da HTAnalyze: André Soares Santos, MSc; Cristina Mariano Ruas, PhD

A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) considera análises de dados clínicos, epidemiológicos e econômicos para tomar decisões sobre a alocação dos escassos recursos da saúde pública1-3. O principal desfecho de uma análise econômica do tipo custo-efetividade (ACE) é a razão de custo-efetividade incremental (RCEI), que mede o custo de uma unidade extra de benefício ganho com uma nova estratégia terapêutica2, 4-7. Para que uma nova tecnologia seja recomendada com base nesses estudos, o RCEI deve ser comparado a um limiar de custo-efetividade (LCE) que represente o valor máximo aceitável a pagar por uma unidade extra de benefício2, 5, 7-12. Todavia, a utilização do LCE pode ser controversa, difícil de se estabelecer e, dependendo do limiar, fragilizar o sistema de precificação de um país.

A maioria das pesquisas em limiares de custo-efetividade sugere a sua definição por três abordagens diferentes13-15: a disposição a pagar (DAP) por unidade de desfecho, representante da teoria do bem-estar social. Nesses métodos, o limiar é estimado através de dados de preferência coletados diretamente da população através de questionários, ou indiretamente, a partir da postura do consumidor no mercado, disposição a pagar por redução do risco de morte ou disposição a aceitar um risco12, 16; a decisão precedente, que é baseada no valor de uma alternativa terapêutica previamente incorporada. Esse método é baseado na razão de custo-efetividade (RCE) de uma intervenção que já foi aprovada para financiamento. Os valores de 50.000 USD/AVAQ nos EUA ou os valores atualizados de 100.000 ou 150.000 USD/Ano de vida ajustado pela qualidade (AVAQ) são exemplos destes valores10, 17-20; e o custo de oportunidade, que assume que todo o orçamento vai ser gasto na tentativa de obter o máximo retorno possível em termos de saúde, através da alocação das alternativas terapêuticas da mais eficiente para a menos eficiente3, 21. Os princípios desse modelo são que o LCE não pode ser calculado independentemente do orçamento da saúde e que a incorporação de novas tecnologias, que impõe custos adicionais ao sistema de saúde, pode provocar o deslocamento de intervenções já financiadas16, 21, 22.

Apesar de poderem ser úteis, todos os métodos para o estabelecimento de um limiar de custo-efetividade apresentam desvantagens. O método de decisões precedentes pode superestimar ou subestimar o valor do limiar já que não sabemos se a escolha precedente foi feita racionalmente. O método de disposição a pagar usualmente superestima o limiar em relação aos custos de oportunidade. Ambos podem levar ao descontrole dos gastos públicos em saúde e mais perda que ganhos em benefícios de saúde. Os métodos de custo de oportunidade são difíceis de implementar, já que as informações necessárias são de difícil obtenção, a confiabilidade dos dados é incerta e o orçamento, os custos das intervenções e preferências sociais podem mudar ao longo do tempo.

Na maior parte dos países, um limiar de custo-efetividade explícito nunca foi formalmente adotado. Alguns países que definiram o limiar são: Inglaterra – Foi definido um limiar de 20.000 a 30.000 GBP/AVAQ2, 23. Tecnologias com um RCEI até 50.000 GBP/AVAQ ainda podem ser recomendadas se estiverem relacionadas a tratamentos que estendem o fim da vida2, 9, 11, 23, 24. Tailândia – Em 2007, órgãos reguladores da Tailândia determinaram um limiar de 100.000 THB/AVAQ, equivalente a 0,8 PIB per capita9. Mais recentemente, os comissários de ATS recomendaram que o limiar não deveria ser maior que 1,2 vezes a Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, o que representava 160,000 THB/AVAQ em 201325. Polônia – Na Polônia, um limiar de três PIB per capita/AVAQ ou ano de vida granho (AVG) foi legalmente estabelecido em 20129, 26-28. Irlanda – Os órgãos reguladores da Irlanda estabeleceram legalmente um limiar de 45.000 EUR/AVAQ em 2012, depois de um acordo entre governo e indústrias29, 30.

Muitos países não especificam um limiar argumentando que os benefícios destes valores são controversos5, 8-10, 12, 20, 31-33. Já foi sugerido que o uso de um LCE explícito pode dar aos fabricantes um incentivo para aumentar artificialmente os preços dos novos produtos e que poderia afetar adversamente a flexibilidade dos tomadores de decisão, apesar de haver pouca evidência do último7, 15, 22, 34, 35. A adoção de limiares altos pode contribuir para o aumento dos gastos em saúde e diminuição da cobertura do sistema de saúde, especialmente dentre países de baixa e média renda8, 21, 36. Por outro lado, o estabelecimento a definição do limiar por métodos apropriados pode ser útil para os sistemas de saúde como uma forma de negociar preços, aumentar a transparência da tomada de decisão e melhorar o valor por dinheiro na saúde pública9, 12, 28, 32, 37, 38.

Para mais informações, vide SANTOS, André Soares; GUERRA-JUNIOR, Augusto Afonso, GODMAN, Brian, MORTON, Alec; RUAS, Cristina Mariano (2018). Cost-effectiveness thresholds: methods for setting and examples from around the world. Expert Review of Pharmacoeconomics & Outcomes Research, DOI: 10.1080/14737167.2018.1443810.

 

REFERÊNCIAS

 

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