Metanálise em rede (network meta-analysis), Parte 3: Pressupostos para uma metanálise em rede – homogeneidade, similaridade e consistência.

Figure 4

No post anterior, fizemos uma introdução ao conceito de rede de evidências. Também já descrevemos o conceito de metanálise de comparação indireta, técnica pela qual realizamos a comparação entre dois tratamentos que não foram diretamente comparados, mas possuem outros estudos onde foram avaliados contra um comparador comum. No nosso post de hoje, aprofundamos um pouco mais os conceitos de uma metanálise em rede, usando como base um estudo que comparou diferentes esquemas de estatinas (fármacos usados para redução de colesterol), de autoria dos professores do curso de comparações indiretas da HTAnalyze.

O estudo em questão avaliou quatro estratégias de tratamento para redução de colesterol: estatinas em doses altas, intermediárias, baixas e ausência de tratamento. Após a realização da revisão sistemática, foram localizadas 51 comparações entre estas opções terapêuticas, conforme mostrado no mapa da rede de evidências abaixo:

Figure 2

Conforme podemos ver, existe evidência direta (isto é, estudos que compararam tratamentos diretamente) para todas as comparações, exceto a de doses intermediárias e baixas. Nesta comparação, a única maneira de realizar a comparação é a utilização de evidência indireta. Para as demais comparações, porém, não possuímos apenas evidência direta – também possuímos evidência indireta. Vejamos por exemplo a comparação de doses altas com doses baixas: além dos três estudos que diretamente compararam estes tratamentos, temos o placebo como comparador comum, havendo seis estudos de doses altas versus placebo e quinze estudos de doses baixas versus placebo. A metanálise em rede pela técnica de mixed treatment comparisons (MTC) tem o poder de unir, em uma única análise, evidências diretas e indiretas, tendo como principal vantagem o aumento da precisão da estimativa: especificamente nesta comparação (doses altas versus baixas), a quantidade de evidência direta é pequena, e certamente agregar evidência indireta contribui para a estimativa da eficácia comparativa destes regimes. Para podermos combinar os componentes de evidência direta e indireta, porém, os três pressupostos descritos a seguir deveriam ser atendidos.

O primeiro pressuposto é, na verdade, também indispensável para a realização de metanálises tradicionais: a homogeneidade entre os estudos. O mesmo se aplica tanto à porção de evidência direta como indireta. No exemplo acima, significa que, ao realizar o teste de heterogeneidade com o I2, deveríamos ter uma heterogeneidade aceitável nas três comparações envolvidas: doses altas versus baixas, altas versus placebo e baixas versus placebo.

Caso o pressuposto acima tenha sido atendido, podemos passar para o próximo, que tem uma avaliação muito mais clínica e epidemiológica do que estatística, e se aplica apenas ao componente indireto da evidência: similaridade. Por similaridade, entende-se que os dois conjuntos de estudos (no nosso exemplo, estudos de doses altas versus placebo e doses baixas versus placebo) possuem características clínicas e epidemiológicas semelhantes o suficiente para que possamos usar tais dados para uma comparação indireta. Se os estudos de doses altas versus placebo tiverem pacientes muito mais jovens e com número muito maior de comorbidades do que os doentes incluídos nos estudos de doses baixas versus placebo, é questionável a existência de similaridade entre os componentes de evidência indireta. O mesmo pode ser dito sobre questões metodológicas: se um dos conjuntos reúne estudos cegados, com análise pelo princípio de intenção de tratar, com randomização adequada e poucas perdas, e o outro conjunto de estudos não atende a nenhum destes requisitos de qualidade, não estamos diante de conjuntos de estudos similares.

Se tivermos os dois pressupostos acima atendidos, isto é, estudos razoavelmente homogêneos e similares, temos ainda um último pressuposto a ser atendido: o da consistência. A mesma é abordada de forma estatística, sendo a técnica mais utilizada a do split node, proposta por Dias em 2010. A figura no topo da página mostra a aplicação da técnica, onde as curvas em cada uma das cinco comparações que possuem tanto evidências diretas como indiretas mostram estes componentes e a combinação deles pela técnica de MTC. Quanto menos congruentes forem as curvas, menor a consistência. Conforme podemos ver na figura, a comparação que tem uma menor congruência das curvas de evidência direta e indireta é a de doses altas versus baixas – porém, o teste estatístico realizado não apontou para uma diferença estatisticamente significativa, portanto sugerindo que as evidências podem ser combinadas por MTC.

No nosso próximo post, vemos os outputs de uma metanálise por MTC e sua interpretação. Caso vocês queira se aprofundar mais na temática de metanálise de comparações indiretas e de múltiplos tratamentos, venha para o nosso curso de metanálise sobre este tema!

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Um comentário sobre “Metanálise em rede (network meta-analysis), Parte 3: Pressupostos para uma metanálise em rede – homogeneidade, similaridade e consistência.
  1. Ruy Burgos disse:

    Muito bom o texto. Muito útil nos estudos de avaliação.

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