O que avaliamos em revisões sistemáticas de acordo com a metodologia GRADE?

Em postagem anterior, apresentamos o Sistema GRADE e como ele pode ser utilizado em revisões sistemáticas para atribuir níveis de evidência aos desfechos de interesse. Em resumo, a avaliação é feita para cada desfecho de interesse considerando o conjunto de evidência disponível, e a qualidade da evidência pode ser classificada em quatro níveis: alto, moderado, baixo ou muito baixo.

Além disso, citamos os fatores considerados durante a avaliação do nível de evidência: delineamento do estudo, limitações metodológicas (risco de viés), inconsistência, evidência indireta, imprecisão, viés de publicação, magnitude de efeito, gradiente dose-resposta e fatores de confusão residuais.

Na postagem de hoje, apresentaremos as definições para cada um desses fatores e explicaremos como eles podem afetar o julgamento da qualidade da evidência.

 

Delineamento do estudo:

Toda evidência proveniente de ensaios clínicos randomizados inicia com nível de evidência “Alto”. Evidências provenientes de estudos observacionais iniciam com nível de evidência “Baixo”, a não ser que a avaliação do risco de viés tenha sido realizada por meio da ferramenta ROBINS-I – nesse caso, o nível de evidência também inicia como “Alto”.

 

Fatores que podem reduzir a qualidade da evidência:

  • Limitações metodológicas do estudo (risco de viés): Limitações metodológicas indicam maior propensão a vieses, que são erros sistemáticos que causam distorções nos resultados de um estudo. Para avaliar esse domínio, primeiramente cada estudo deve ser avaliado por meio de ferramentas apropriadas, Em seguida, devemos julgar a gravidade das limitações metodológicas considerando conjunto da evidência em questão. Caso haja risco de viés substancial nos estudos incluídos na avaliação do desfecho de interesse, pode haver penalização da qualidade da evidência em até dois níveis.
  • Inconsistência: Esse domínio avalia se os estudos que compõem o conjunto da evidência apresentam resultados discrepantes entre si. Para avaliar inconsistência, devemos avaliar as estimativas de efeito de cada estudo, a sobreposição de seus intervalos de confiança e testes estatísticos como o I2. Caso haja inconsistência importante entre os estudos incluídos na avaliação do desfecho de interesse, pode haver penalização da qualidade da evidência em até dois níveis.
  • Evidência indireta: A evidência pode ser considerada indireta nos casos em que a população, as intervenções, os comparadores ou os desfechos avaliados nos estudos incluídos são diferentes daqueles definidos na questão de pesquisa da revisão sistemática. Nesses casos, pode haver penalização da qualidade da evidência em até dois níveis.
  • Imprecisão: O principal critério utilizado para avaliar a imprecisão de um resultado é a amplitude do intervalo de confiança de 95%. De forma simplificada, podemos considerar o intervalo amplo (e, portanto, a evidência imprecisa) quando a conclusão sobre a questão de pesquisa em análise difere entre as suas duas extremidades. O número de indivíduos e número de eventos também devem ser avaliados nesse domínio. Caso haja importante imprecisão nos estudos incluídos na avaliação do desfecho de interesse, pode haver penalização da qualidade da evidência em até dois níveis.
  • Viés de publicação: O viés de publicação pode ser definido como a tendência de que estudos com resultados positivos tenham maior probabilidade de serem publicados, além de normalmente serem publicados antes, em revistas internacionais e em revistas indexadas em bases de dados como MEDLINE (e, portanto, de mais fácil acesso). Caso haja alta suspeita de viés de publicação para o desfecho em avaliação, a qualidade da evidência pode ser penalizada em até um nível.

 

Fatores que podem aumentar a qualidade da evidência: Se a qualidade da evidência não for penalizada por nenhum dos cinco fatores descritos anteriormente, podemos levar em consideração três fatores que podem aumentar a qualidade da evidência.

  • Magnitude de efeito: Quando observamos efeitos de grande magnitude de forma consistente em estudos com poucos vieses e outras limitações, temos mais certeza no efeito observado. Nesses casos, a qualidade da evidência pode ser aumentada em até dois níveis. Normalmente a qualidade da evidência é aumentada em um nível quando observamos um risco relativo maior que 2,0 ou menor que 0,5; e em dois níveis quando observamos um risco relativo maior que 5,0 ou menor que 0,2.
  • Gradiente dose-resposta: A presença de gradiente dose-resposta é um achado que reforça a probabilidade da ocorrência de relação causa-efeito. Nos casos em que observamos um consistente aumento do efeito associado a um aumento na exposição, a evidência do efeito torna-se mais robusta e a qualidade da evidência pode ser aumentada em até um nível.
  • Fatores de confusão residuais na direção oposta: Devemos nos atentar a esse fator em dois casos: quando os fatores de confusão residuais superestimariam a estimativa de efeito e apesar disso não é encontrada associação; ou quando esses fatores subestimariam a estimativa de efeito, mas é observada uma importante associação. Nesses casos, a qualidade da evidência pode ser aumentada em até um nível. Abaixo, segue um exemplo de situação onde a qualidade da evidência pode ser aumentada pela presença de fatores de confusão residuais na direção oposta:
    • A fenformina é um medicamento hipoglicemiante com potencial para causar acidose láctica. Por esse motivo, suspeitava-se que a metformina, hipoglicemiante oral da mesma classe farmacológica, pudesse causar efeito semelhante. Devido ao alerta desse potencial efeito adverso, médicos provavelmente eram mais propensos a monitorarem e reportarem acidose láctica associada à metformina do que a outros medicamentos, causando potencial viés de aferição. Contudo, estudos observacionais com forte rigor metodológico não demonstraram associação entre esse efeito adverso com doses terapêuticas do fármaco. O fato do potencial viés de aferição não mostrar associação positiva reforça as conclusões de que não há risco aumentado de acidose láctica com o uso de metformina em doses terapêuticas, podendo ser elevada a qualidade da evidência.

 

Cursos

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Por Celina Borges Migliavaca, instrutora do curso

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