ROBINS-I: Risco de viés de estudos de intervenção não randomizados

Há consenso estabelecido que ensaio clínico randomizado é o delineamento mais indicado para estabelecer o efeito de uma intervenção em saúde. Sempre é importante lembrar, conforme exposto em post anterior, que mesmo esse delineamento pode estar sujeito a vieses (erros sistemáticos) que devem ser avaliados criteriosamente.

No entanto, em muitas circunstâncias será necessária a inclusão de evidências advindas de estudos não randomizados para contemplação de questões de pesquisa em revisões sistemáticas, por vezes pela ausência de ensaios clínicos randomizados, pela necessidade de complementação das evidências disponíveis ou porque a pergunta não pode ser respondida por ensaios clínicos randomizados. Os estudos não randomizados estão também sujeitos a diferentes vieses, que podem variar de acordo com suas características metodológicas e devem ser adequadamente avaliados.

A ferramenta atualmente recomendada pela Colaboração Cochrane para a avaliação do risco de viés de estimativas de efetividade e segurança em estudos de intervenção não randomizados é a ROBINS-I (Risk Of Bias In Non-randomised Studies – of Interventions). Essa ferramenta, similar em estrutura à RoB 2.0, é baseada em domínios e estruturada através de perguntas norteadoras / sinalizadoras para o julgamento de cada domínio, também direcionada à avaliação de desfechos individualmente. Para avaliação com a ROBINS-I, também é necessário definir o efeito de interesse para o desfecho avaliado, entre efeito de alocação para intervenção (análogo a análise por intenção de tratar) ou efeito de iniciar e aderir a um protocolo.

Uma característica diferencial da ROBINS-I é que o estudo em avaliação é considerado como uma tentativa de emular um estudo alvo (target trial). O estudo alvo seria um ensaio clínico randomizado pragmático, conduzido com a mesma população e sem características que o coloquem em alto risco de viés, mesmo que isso não seja factível ou ético.

A ROBINS-I avalia sete domínios de viés, classificados por momento de ocorrência:

Tabela 1: Domínios avaliados pela ferramenta ROBINS-I

Domínio Descrição
Antes da intervenção
Viés por confundimento Viés oriundo da presença de desequilíbrio em características prognósticas do desfecho também são preditoras da intervenção recebida no início do seguimento. Também avalia o viés por confundimento tempo-dependente (quando sujeitos trocam entre intervenções comparadas ou quando fatores que ocorrem após o início do seguimento afetam a intervenção recebida)
Viés na seleção dos participantes Viés que pode surgir quando a seleção dos participantes ocorre em função de uma característica que é associada a um efeito da intervenção ou de uma causa da intervenção e ao desfecho ou uma causa do desfecho. Nesses casos, há a criação de uma associação entre intervenção e desfecho mesmo quando o efeito das intervenções é idêntico.
Na intervenção
Viés na classificação das intervenções Viés introduzido pelo erro na classificação das intervenções diferencial ou não-diferencial. O erro não-diferencial não está relacionado ao desfecho e irá geralmente enviesar o efeito para nulo. O erro diferencial ocorre quando a classificação está relacionada com o desfecho ou ao risco de desfecho e provavelmente irá enviesar o resultado.
Após a intervenção
Viés por desvio das intervenções pretendidas Viés que surge por diferenças sistemáticas no cuidado provido (incluindo co-intervenções) entre os grupos de intervenção e comparador, que representam um desvio da intervenção pretendida. A avaliação desse domínio tem relação com o tipo de efeito sendo avaliado (alocação ou iniciar e aderir ao tratamento).
Viés por dados faltantes Viés oriundo da diferença na extensão e motivos de dados faltantes entre os grupos, incluindo perda de dados de seguimento, falta de informação sobre o status de intervenção ou outras variáveis, como confundidores.
Viés na medida dos desfechos Viés que ocorre por erro diferencial ou não-diferencial na classificação dos desfechos ou erros na mensuração. O erro na classificação é não-diferencial quando não está associado à intervenção recebida. O erro diferencial pode ocorrer quando avaliadores tem conhecimento da intervenção recebida, se diferentes métodos (ou intensidade de observação) são usados entre os grupos ou se os erros de medida estão associados com a intervenção ou com um efeito desta.
Viés na seleção dos resultados reportados Relato seletivo de resultados, de uma forma que depende dos resultados observados e impede que a estimativa seja utilizada em meta-análises ou outras sínteses.

As opções de julgamento de cada domínio são: baixo risco de viés, moderado risco de viés, grave risco de viés, crítico risco de viés ou sem informação. Esse julgamento é apoiado pelas respostas às perguntas norteadoras e por tabelas de apoio ao julgamento de viés de cada domínio. Essa ferramenta também permite a classificação do risco de viés global, que recebe a classificação menos favorável entre os riscos avaliados para os domínios. Considera-se que um estudo de intervenção não randomizado com baixo risco de viés para todos os domínios seja comparável a um ensaio clínico randomizado bem conduzido, enquanto um estudo com risco de viés crítico é considerado excessivamente problemático para prover qualquer evidência útil do efeito de uma intervenção

A avaliação do risco de viés deve ser conduzida por dois revisores independentes, e em caso de discordâncias, um terceiro revisor pode deliberar sobre a avaliação.

Os resultados podem ser apresentados em formato de tabela ou figura, conforme exemplo apresentado a seguir.

Figura 1: Exemplo da apresentação em figura do resultado da avaliação de risco de viés de estudos não randomizados incluídos em uma revisão sistemática

Tabela 2: Exemplo da apresentação em tabela do resultado da avaliação de risco de viés de estudos não randomizados incluídos em uma revisão sistemática

As tabelas podem ser construídas em editor de texto comum, e as figuras podem ser geradas através de ferramenta online, a robvis (visualization tool for risk of bias assessments in a systematic review), disponibilizada no site https://www.riskofbias.info/. Nesse mesmo site está disponibilizado o template para preenchimento da ROBINS-I (atualmente disponibilizado apenas para editor de texto), assim como suas publicações e orientações detalhadas de uso. Algumas informações complementares sobre aplicação da ROBINS-I também estão disponibilizadas no Capítulo 25 do Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions versão 6.2, disponível no site https://training.cochrane.org/handbook.

Cursos

Ficou com dúvidas ou quer se aprofundar mais nesses temas? A HTAnalyze oferece cursos introdutórios e avançados em revisão sistemática e metanálise. Em abril de 2023 será realizada a segunda edição do Workshop Avançado de Avaliação do Risco de Viés e Qualidade da Evidência”, em EAD, cujo objetivo é discutir conceitos relacionados a risco de viés e qualidade da evidência e capacitar os alunos no uso das ferramentas RoB 2.0, ROBINS-I e GRADE. Para mais informações, clique aqui.

Por Mirian Zago, instrutora do curso

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