Real World Evidence: entenda a importância das evidências do mundo real na era do Big Data

Slide1

     Nos últimos anos, a utilização das chamadas “evidências do mundo real” (RWE, real world evidence) tem estado em alta entre as empresas e profissionais envolvidos na produção e incorporação de tecnologias da saúde. Entenda como funciona essa abordagem para demonstração dos efeitos das intervenções, suas aplicações e limitações.

     “Mundo real” versus “Mundo irreal”

     Para falarmos de evidências do mundo real, é necessário antes esclarecer o que não são evidências do mundo real. Em primeiro lugar, os estudos experimentais pré-clínicos, estudos com animais, estudos com culturas celulares e outras modalidades de estudos de bancada não são estudos do mundo real. Entre os estudos com seres humanos, os ensaios clínicos randomizados de prova de conceito, ou seja, realizados em condições artificialmente favoráveis a fim de demonstrar os efeitos, a segurança e comprovar o entendimento da teoria que embasa o uso de uma intervenção.

     O embasamento em evidências de mundo real atribui uma maior importância relativa aos estudos de efetividade, utilizando as conclusões provenientes desses estudos para melhor compreender as evidências provenientes dos estudos de eficácia. Ou seja, não basta que uma tecnologia da saúde desempenhe bem em condições ideais. Deve haver demonstração de benefício nas condições em que a tecnologia será aplicada, ou seja, no “mundo real”. E é inevitável que a eficácia sofra o atrito das ineficiências dos sistemas de saúde (e das pessoas em geral) quando da sua aplicação nos contextos em que os pacientes vivem. Inevitavelmente, isso resulta em algum grau de perda desempenho, e o tamanho de efeito que sobrevive ao contato com a realidade é o que chamamos de efetividade.

     Onde encontrar evidências de mundo real

     As evidências do mundo real têm origem principalmente em dois tipos de estudos: (1) ensaios clínicos randomizados pragmáticos e (2) estudos de coorte prospectivos bem delineados, particularmente grandes registros de pacientes que documentam o desempenho de uma tecnologia da saúde em um contexto específico (sistema de saúde, grupo de pacientes ou região geográfica).

     Real world evidence também se refere a construção de volumosas bases de dados a partir da coleta de informações prospectiva na organização ou contexto em que os tratamentos são utilizados. Por organização, refiro-me a planos de saúde privados, sistema de saúde público (nas suas diferentes divisões administrativas), hospitais, clínicas e outros provedores de serviços de saúde.

     Essa abordagem têm como vantagem informar ao gestor da organização sobre o desempenho de uma tecnologia da saúde especificamente na sua realidade local. Isso permite identificar oportunidades de melhoria de processo para melhorar a eficiência e fornece melhores subsídios para a tomada da decisão de manter ou não uma tecnologia da saúde ativa no sistema.

Por que a indústria e os gestores estão interessados em evidências do mundo real?

       A valorização das evidências tipo “mundo-real” têm sido do interesse em especial das companhias farmacêuticas. Isso acontece por algumas razões, vamos entende-las. Em primeiro lugar, a avaliação de dados de efetividade pode oferecer uma “segunda janela” de comercialização para um medicamento. Assim, aquela droga que não desempenhou bem em ensaios clínicos na comparação a competidores passa a ter uma nova oportunidade de encontrar seu lugar no mercado caso ela desempenhe particularmente bem em relação a algum desfecho de mundo real relevante aos pacientes, como menor ocorrência de algum evento adverso. Em segundo lugar, as evidências de mundo real realizam um melhor aproveitamento de uma volumosa quantidade de informações sobre o desempenho dos tratamentos que existe no formato de dados administrativos nos sistemas de informática de clínicas, hospitais, planos de saúde e governos (claims data). Essas informações podem ser relevantes não apenas do ponto de vista clínico, mas também do ponto de vista de planejamento comercial.

     Outro aspecto relevante do uso de estudos de efetividade capturados no cenário de interesse para o quem financia o medicamento é a possibilidade de realizar acordos de compartilhamento de risco (risk-sharing agreements) com o fabricante. Desse modo, caso o tratamento não desempenhe tão bem quanto o esperado em condições de vida real, o valor a ser pago pela compra da substância pode ser revisado para menos. Alternativamente, pode ser acordada uma bonificação do fabricante para casos em que o desempenho supere marcos de efetividade previamente estabelecidos.

    

     Limitações da RWE

     É preciso compreender que o uso de evidências de mundo real apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. Seguem algumas palavras de alerta quanto a utilização desse tipo de enfoque:

  • Comparações não-randomizadas não se tornam melhores que ensaios clínicos randomizados de eficácia simplesmente por serem estudos “de mundo real”.
  • A randomização ainda é o melhor instrumento para lidar com o viés de confusão, inerente das comparações não randomizadas.
  • É necessário atentar para a validade externa das evidências identificadas. Os estudos podem ser do mundo real, mas retratam qual realidade exatamente?

     Por fim, é preciso ter em mente que existem muitos estudos observacionais de má qualidade na literatura publicada, e que RWE não publicada está mais sujeita a vieses pela ausência do processo de revisão por pares. Por essas razões, o uso de evidências do mundo real aumenta a importância de ferramentas para avaliação do risco de vieses como a Checklist da Cochrane Collaboration (para ensaios clínicos randomizados), o sistema GRADE (aplicável a ensaios clínicos e a estudos observacionais) e o instrumento STROBE (produzido para orientar a forma de apresentação dos estudos, mas relevante para avaliar qualidade).

Médico internista e epidemiologista, pesquisador clínico, empreendedor, educador.

Publicado em Conteúdo Teórico, Notícias
2 comentários sobre “Real World Evidence: entenda a importância das evidências do mundo real na era do Big Data
  1. Charles Schmidt disse:

    gostaria de tê-lo como contato no linkedin
    Boa revisão Parabéns

  2. Flavia Elias disse:

    O tema já e presente em muitos congresss da ISPOR e do HTAi.
    faltam avanços no sistema SUS para dar conta da massa de dados nao devidamente tratada e sistematizada

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

Posts Anteriores